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ASPECTOS MICROBIOLÓGICOS DE INFECÇÕES BUCAIS: RELAÇÃO ECOLÓGICA E DE VIRULÊNCIA

Elerson Gaetti-Jardim Júnior; Victor Rafael Castillo-Merino; Mario Julio Avila-Campos

Laboratório de Anaeróbios, Departamento de Microbiologia, Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Resumo

As infecções que afetam a cavidade bucal são de origem polimicrobiana e na maioria dos casos apresentam um predomínio de microrganismos anaeróbios obrigatórios, e que juntamente com o desenvolvimento do biofilme dental, a virulência destas espécies envolvidas na etiologia desses processos infecciosos se manifesta em conjunto. Neste artigo os autores discutem brevemente as características da microbiota associada às infecções de cabeça e pescoço, suas relações ecológicas, virulência e métodos empregados para a detecção.

Palavras-chave: infecções bucais, bactérias anaeróbias, biofilme dental, ecología bacteriana.
 

Introdução

A maior parte dos processos patológicos que afetam a cavidade oral apresenta algum agente infeccioso. Entretanto, a microbiota residente bucal desempenha importante papel na resistência inespecífica do hospedeiro frente aos patógenos exógenos, além de estimular o sistema imunológico após o nascimento. No entanto, a microbiota também pode contribuir para a patogenicidade de numerosas condições clínicas, como a cárie dental e as doenças periodontais, endodônticas e periapicais, entre outras. Dessa forma seus constituintes comportam-se como anfibiontes, isto é, microrganismos capazes de agredir o hospedeiro quando as condições ambientais e imunológicas são favoráveis, como se observa, por exemplo, em pacientes imunocomprometidos, pacientes com disfunções metabólicas ou que sofreram traumas mecânicos, químicos ou térmicos (Foschi et al., 2006).

Estima-se que mais de 700 espécies podem ser identificadas na cavidade bucal, das quais, metade pertence ao periodonto, e as demais ocupariam outros micro-ambientes, como língua, mucosas lisas e superfície dental (Paster et al., 2006). Na cavidade bucal, estes microrganismos aderem especificamente às células e componentes teciduais do hospedeiro ou em outros microrganismos, constituindo a co-agregação, levando ao desenvolvimento de comunidades complexas denominadas de biofilmes, onde a transferência de genes associados à virulência microbiana e à resistência a antimicrobianos é frequente, e os mecanismos de defesa do hospedeiro têm eficácia limitada.

Cárie dental. Entre as patologias infecciosas mais comuns da cavidade bucal se destaca a cárie dental, e sua patogenicidade está intimamente relacionada ao metabolismo microbiano altamente fermentativo, destacando os estreptococos do grupo mutans, particularmente, Streptococcus mutans junto com Lactobacillus spp., e  quando alcança a dentina, Actinomyces spp. 

Em função de profundas modificações dietéticas, onde se observa a redução significativa de alimentos fibrosos, capazes de colaborar com a auto-limpeza da cavidade bucal, e um aumento significativo de ingestão de carboidratos fermentáveis, a população destes microrganismos no biofilme favorece o início do processo carioso. Os estreptococos do grupo mutans considerados cariogênicos, destacam-se pela capacidade de colonizar precocemente a superfície dental, por sintetizar grandes quantidades de polímeros de carboidratos extra e intracelulares, que estabilizam a adesão bacteriana e funcionam como fontes de reservas nutritivas (Hamada et al., 1984). Bactérias produtoras de ácido láctico, como Lactobacillus spp. aparecem mais relevantes após o início do processo carioso seguido da contínua dissolução mineral do dente. Em caso de cárie de dentina, na região cervical ou quando a cárie coronária ultrapassa em profundidade o esmalte dental, observa-se uma população microbiana mais complexa, com a presença de bactérias com grande atividade proteolítica, como Actinomyces spp. (Zambon & Kasprzak, 1995). Finalmente, com o envolvimento dos tubos dentinários e do sistema de canais, a microbiota acidogênica inicial será substituída por microrganismos anaeróbios e proteolíticos, e este fenômeno se mantém e se intensifica até a necrose da polpa e o envolvimento de tecidos periapicais.

Infecções periodontais e periapicais. O termo periodontopatias é utilizado para designar uma extensa gama de patologias, que muitas vezes refletem alterações imunológicas, metabólicas e de desenvolvimento. Aqui será empregado apenas para descrever as gengivites e as periodontites associadas ao biofilme microbiano. Nestas periodontopatias, após períodos de equilíbrio entre o hospedeiro e a microbiota, o quadro inflamatório periodontal se estabelece, amplificando-se a resposta do hospedeiro e a expressão da virulência microbiana, o que provoca uma modificação significativa da microbiota local, com a seleção de microrganismos anaeróbios obrigatórios Gram-negativos e com um metabolismo não fermentativo (Curtis et al., 2005).

A retenção do biofilme microbiano à margem gengival leva à quebra do equilíbrio da relação microbiota-hospedeiro e dará início a uma reação inflamatória afetando os tecidos de revestimento do periodonto. Apesar da participação de alguns microrganismos como Actinomyces spp. e Prevotella intermedia na patogenicidade da gengivite, outros microrganismos podem também induzir a reação inflamatória, como o fazem os próprios estreptococos bucais.

Nas gengivites necrosantes ou em aquelas associadas às modificações hormonais e de imunossupressão observa-se uma microbiota semelhante à observada na periodontite avançada, com a participação de Treponema denticola e P. intermedia, sendo que este último microrganismo é capaz de utilizar o estradiol no seu metabolismo como fonte energética para a cadeia respiratória (Kornman & Loesche, 1982). Entretanto, geralmente com a reversão das condições hormonais, a microbiota retorna para níveis associados à saúde periodontal.

Diversos microrganismos como Aggregatibacter actinomycetemcomitans, Dialister pneumosintes, Porphyromonas gingivalis, Prevotella intermedia, P. nigrescens, Fusobacterium nucleatum, Tannerella forsythia e T. denticola estão particularmente implicados na etiologia destas doenças, as vezes associadas a outros microrganismos Gram-negativos e Gram-positivos, principalmente, anaeróbios estritos (Ledder et al., 2007). Estas bactérias são isoladas em números elevados em sítios periodontais com evidências clínicas de perda de inserção gengival e inflamação, estabelecendo complexas interações ecológicas entre si, modulando a resposta imunológica e o resultado do tratamento instituído (Kolenbrander et al., 2006; Jervoe-Storm et al., 2007).

Como as doenças periodontais são infecções mistas e de caráter sinergística, é difícil determinar o papel desempenhado por uma espécie particular. Estudos têm mostrado a relação de A. actinomycetemcomitans com as periodontite agressiva localizada, e sua associação com F. nucleatum, P. gingivalis, T. forsythia e T. denticola na periodontite crônica. Tannerella forsythia também mostra notável capacidade de manter-se em sítios periodontais submetidos ao tratamento mecânico ou com antimicrobianos e em função desta característica, é associada à periodontite refratária ao tratamento.

Apesar da grande importância desempenhada pelos cocos Gram-positivos facultativos em abscessos em outras partes do corpo e na mucosa oral, a maior parte deles pertence aos gêneros Peptococcus e Peptostreptococcus ao lado dos gêneros Prevotella, Porphyromonas, Campylobacter e Fusobacterium. Deste modo, com o emprego de antimicrobianos por parte do paciente ou por indicação inadequada do profissional, nas infecções periapicais e periodontais laterais, podem ocorrer uma seleção biológica que terminará com a predominância de microrganismos resistentes ou tolerantes aos antimicrobianos. Segundo Socransky & Haffajee (2005) a microbiota presente nos processos periodontais se divide em complexos que se relacionam entre si, onde o complexo denominado laranja, constituído por Peptostreptococcus micros, P. intermedia, P. nigrescens, F. nucleatum e F. periodonticum, daria condições adequadas para um grupo mais virulento de patógenos, o complexo vermelho que está constituído por P. gingivalis, T. forsythia e T. denticola. Apesar de não existir dados suficientes para discutir as possíveis extrapolações destas relações ecológicas para outras infecções mistas, como as infecções endodônticas e periapicais, é muito provável que a sucessão microbiana que se desenvolve nas mesmas, após a exposição da polpa seja ditada pelos mesmos critérios ecológicos observados nas periodontopatias.

Virulência de microrganismos associada às infecções bucais. Fator de virulência é qualquer característica microbiana capaz de, diretamente ou indiretamente, permitir que um processo infeccioso se desenvolva. Estes fatores podem ser divididos em três categorias: 1) fatores associados à transmissão, adesão e colonização dos tecidos do hospedeiro; 2) fatores associados à capacidade de produzir danos teciduais e, 3) fatores associados à capacidade de evadir a resposta de defesa do hospedeiro. Estes fatores são imprescindíveis no desenvolvimento de uma infecção, mas no caso das infecções bucais, que é de caráter sinergístico, a associação metabólica entre alguns membros do biofilme acaba levando a um aumento da virulência bacteriana.

A adesão microbiana aos tecidos do hospedeiro é determinada pela interação de adesinas bacterianas e receptores teciduais. Estas proteínas se encontram na superfície da parede bacteriana, como em F. nucleatum, ou em fímbrias como em P. gingivalis. Geralmente cada espécie microbiana bucal apresenta várias adesinas e a expressão das diferentes adesinas está diretamente associada às condições ambientais presentes (Curtis et al., 2005). Às vezes estas adesinas também apresentam atividade enzimática, como proteases e fosfolipases. Neste sentido, as adesinas de P. gingivalis acabam por exercer atividade de hemolisinas, que ao romper os eritrócitos acabam liberando ferro, um dos mais importantes macronutrientes bacterianos.

Os principais periodontopatógenos, como A. actinomycetemcomitans, P. gingivalis, T. denticola e T. forsythia possuem importante atividade proteolítica e de exopeptidases, que apresentam atividade semelhante à tripsina. Em T. denticola estas proteases se comportam como serina-proteases semelhantes à quimiotripsina e são responsáveis pela invasão deste microrganismo. Também, podem desempenhar um papel importante no desenvolvimento de necroses nas doenças periodontais e na fermentação de aminoácidos liberando amoníaco, sulfeto de hidrogeno, metil-mercaptanos e ácidos graxos altamente tóxicos, que exercem atividade citotóxica direta e reduzem a velocidade do reparo tecidual. Os principais anaeróbios envolvidos em infecções bucais produzem várias classes de proteases, como no caso de P. gingivalis que produz 13 classes de enzimas com afinidades por substratos variados. Nas infecções de cabeça e pescoço, estas enzimas parecem participar da liberação de mediadores inflamatórios, as quais podem ativar o sistema de coagulação sanguínea e de complemento, além de degradar localmente as proteínas da matriz tecidual e das imunoglobulinas produzidas na resposta imune (Holt et al., 1999). Estas características associadas podem explicar parcialmente a liquefação dos tecidos em infecções agudas, como as celulites faciais e angina de Ludwig, onde estes anaeróbios são predominantes (Brook, 2006).

As proteases de superfície em P. gingivalis também estão associadas com à adesão às proteínas teciduais e atuam como hemaglutininas acelerando a colonização dos tecidos do hospedeiro e a formação de coágulos de fibrina que podem disseminar o microrganismo pela corrente sanguínea e protegê-lo do sistema imune, fenômeno atualmente relacionado com a formação de patologias tromboembólicas.

Em Prevotella e Porphyromonas a presença de hemina, ferro ou peptídeos estimula a síntese de exoproteases e in vivo este fenômeno pode ocorrer em áreas inflamadas, onde existe um extravasamento de proteínas séricas e ambiente rico em ferro e produtos do metabolismo microbiano. Na Tabela 1 observa-se os diferentes mecanismos de evasão bacteriana do sistema imunológico, como baixa velocidade de crescimento, a presença de cápsula e material amorfo extracelular, receptores para a porção Fc de IgG e a capacidade de degradar os componentes do sistema complemento e imunoglobulinas, de invasão e da produção de peptídeos e exotoxinas com atividade leucotóxica.

Aggregatibacter actinomycetemcomitans é capaz de produzir uma leucotoxina termolábil ativa sobre neutrófilos, monócitos, macrófagos e linfócitos T, produzindo degranulação destas células, com a subsequente desorganização do tecido e imunossupressão local. A ação da toxina é pela formação de poros, enquanto que em outras células, como HL-60 induz apoptose (Tsai et al., 1984). Esta toxina pertence à família RTX (repeats in toxin) e o operon ltx está associado à síntese da toxina. As cepas altamente leucotóxicas possuem uma deleção gênica de 530 bp na região do promotor e a maioria das cepas isoladas de casos de periodontite agressiva apresenta esta deleção (Haubek & Westergaard, 2004). O gene estrutural ltxA é flanqueado pelos genes ltxC, ltxB e ltxD que estão associados com a ativação e transporte da toxina (Brogan et al., 1994).

O lipopolissacarídeo (LPS) bacteriano estimula a reabsorção óssea, febre e dor por mecanismos imunológicos e endocrinológicos. A estabilidade química do LPS retarda o reparo tecidual e ajudam para que a adesão bacteriana à superfície dental se mantenha por tempo prolongado até depois da morte da bactéria (Horiba et al, 1989).

Determinantes de resistência às tetraciclinas, penicilinas, cefalosporinas e macrolídeos, entre outras drogas, são frequentemente observados em microrganismos bucais, destacando as cepas do gênero Fusobacterium por sua resistência aos macrolídeos, e Porphyromonas e Prevotella pela produção de β-lactamases (Kuriyama et al., 2006). A resistência adquirida ao metronidazol e outros nitroimidazois ainda é considerada pequena entre os anaeróbios Gram-negativos residentes na cavidade oral, entretanto, isto vem aumentando em anaeróbios intestinais, como Bacteroides fragilis.

Como as doenças periodontais e demais patologias associadas a anaeróbios bucais, são mistas, a virulência bacteriana está diretamente associada aos membros do biofilme, particularmente, quando são ecológica e geneticamente relacionadas, como os membros do complexo vermelho, onde P. gingivalis, T. forsythia e T. denticola atuam de forma conjunta no desenvolvimento das periodontopatias (Socransky et al., 1998).

Tratamento das infecções associadas aos biofilmes. Apesar do atual conhecimento sobre a fisiologia de microrganismos em biofilmes, ainda não existe um tratamento universalmente eficaz contra essas estruturas organizadas. Em parte é devido às alterações fisiológicas microbianas que ocorrem no biofilme, com redução da atividade metabólica, o que também, reduz a sensibilidade a antimicrobianos, mas pode aumentar a transferência de material genético permitindo a disseminação de genes de resistência e de virulência.
A abordagem terapêutica mais adequada das infecções associadas à presença de biofilme é sua remoção, o que em casos de gengivites e periodontites pode-se obter com os métodos convencionais de higiene bucal. Nas infecções endodônticas o biofilme penetra no interior dos tubos dentinários, dificultando sua remoção pelo preparo biomecânico, de forma que deve ser realizado empregando-se compostos químicos com comprovada atividade antibacteriana, como o hipoclorito de sódio (1% a 2,5%), digluconato de clorexidina e outros. Neste sentido, a maioria dos agentes químicos funciona por contato, mas alguns, como o para-mono-cloro-fenol atua rapidamente, e o hidróxido de cálcio necessita de um período mínimo de permanência no canal de 7-14 dias (Kontakiotis et al., 1995), uma vez que isto levará a inibição metabólica microbiana (Estrela et al., 1998).

A remoção cirúrgica do biofilme microbiano e em ocasiões onde se forma em áreas inacessíveis, como bolsas periodontais profundas ou na superfície externa da raiz dental, no periápice de dentes com infecções endodônticas às vezes requer procedimentos cirúrgicos para chegar à lesão, sendo frequente o emprego sistêmico de antibióticos e quimioterápicos, destacando os β-lactâmicos por sua baixa citotoxicidade para as células do hospedeiro. Também, é recomendado o uso do metronidazol, dos novos macrolídeos (como azitromicina e claritromicina); e da clindamicina usada em infecções graves produzidas por anaeróbios bucais (Brook, 2006; Kuriyama et al., 2006).

O controle químico do biofilme bucal associado às periodontopatias depende não apenas da atividade antimicrobiana do agente químico, mas também de sua capacidade de penetrar no interior do biofilme e manter-se ativo por tempo suficiente para produzir uma significativa modificação ecológica desta estrutura. Agentes químicos como listerine e digluconato de clorexidina induzem a formação de porosidades na membrana bacteriana, i.e., membrana externa de Gram-negativos e membrana citoplasmática, além de desnaturar e precipitar o conteúdo protéico destes microrganismos. Outros compostos como a hexitidina e o fluoreto de estanho estão sendo avaliados, mas os resultados clínicos sugerem que seus benefícios são limitados e o biofilme acaba se adaptando à ação destes agentes; o mesmo sucede com o triclosan, que apresenta grande limitação de sua biodisponibilidade. Agentes como o cloreto de cetilpiridinio e cloreto de benzalcônio, que apresentam significativa atividade inibitória frente à maioria dos anaeróbios bucais e que seriam bons candidatos ao controle do biofilme, mas não permanecem na cavidade bucal por tempo suficiente para exercer atividade significativa no interior de comunidades microbianas.
Apesar de que a clorexidina e os compostos fenólicos têm rápido e efeito prolongado sobre a microbiotas cariogênica e periodontal, seu uso contínuo é desestimulado devido a seus efeitos colaterais, particularmente, produzindo desde a perda do paladar, sabor metálico na boca, pigmentação dental, hiperplasia de papilas filiformes linguais e sensação de queimadura e ardor bucal (Baehni & Takeuchi, 2003).

Desta forma, seu uso prolongado é indicado principalmente na perda de inserção conjuntiva mais significativa, em pacientes que não conseguem realizar a higiene bucal adequadamente (poli-traumatizados, portadores de deficiência mental) portadores de infecções periodontais severas, agressivas e/ou refratárias além de pacientes imunossuprimidos, e pacientes que recebem radioterapia.

Os benefícios do uso sistêmico ou local de antibióticos e quimioterápicos com atividade antimicrobiana são transitórios, mas em pacientes imunocomprometidos ou que apresentam formas mais agressivas ou avançadas de periodontopatias, estas drogas podem provocar uma redução temporária e significativa da proporção de microrganismos patogênicos envolvidos nestas doenças, permitindo que espécies associadas à saúde periodontal proliferem ocupando os nichos ecológicos dos periodontopatógenos (Colombo et al., 2005). Neste sentido, os nitroimidazois, em particular o metronidazol, apresenta a vantagem de atuar seletivamente sobre microrganismos Gram-negativos anaeróbios que constituem a maior parte da microbiota presentes nas infecções periapicais e periodontites marginais.

Estes microrganismos periodontais às vezes invadem os tecidos adjacentes, em função de traumas, procedimentos cirúrgicos, isquemia tecidual e por proliferação de focos infecciosos da cavidade bucal, produzindo quadros clínicos graves, que deixam sequelas, e com certa frequência podem matar, como a celulite orbital e a angina de Ludwig (Brook, 2006). Nestas infecções anaeróbias mais sérias da região da cabeça e pescoço geralmente o metronidazol está associado aos β-lactâmicos em função do sinergismo, ou prefere-se o emprego da clindamicina que também apresenta atividade antimicrobiana frente aos estreptococos bucais e outros microrganismos facultativos.

Apesar de muito utilizados no tratamento das infecções odontogênicas, as penicilinas de amplo espectro, como a amoxicilina não são comumente empregados como coadjuvantes do tratamento local das periodontites e outras infecções anaeróbias mistas com predomínio de microrganismos gram-negativos como Prevotella nigrescens e P. intermedia capazes de produzir β-lactamases (Maestre et al., 2007), o que tem levado ao uso crescente dos novos macrolídeos, como a azitromicina, que vem mostrando uma atividade antimicrobiana significativa contra anaeróbios Gram-positivos e Gram-negativos (Merriam et al., 2007).

Tabela 1. Principais fatores de virulência observados nos principais microrganismos anaeróbios bucais.

Fator de virulência
Efeitos sobre o hospedeiro
Microrganismos produtores
Múltiplas adesinasAdesão celular bacterianaTodos os anaeróbios bucais
Invasinas
  1. evasão do sistema imune;
  2. danos teciduais
A. actinomycetemcomitans, P. gingivalis.
Fatores ativadores de proteases 1) ativa proteases endógenas que atuam em reações inflamatórias; 2) estimula reabsorção de tecido conjuntivo


P. gingivalis
Enzimas proteolíticas
1) estimula reabsorção de tecido conjuntivo e degrada matriz tecidual; 2) degrada anticorpos e peptídeos do sistema imune; 3) adesão tecidual e a outras bactérias; 4) formação de coágulos intravasculares; 5) estimula síntese de metaloproteases em fibroblastos; 6) desensibilização de neutrófilos

P. gingivalis, T. denticola,
T. forsythia,
A. actinomycetemcomitans
Produção de hialuronidases, sulfatases, lipases, DNAses e outras
 Degradação de componentes teciduais; Hemólise

P. gingivalis, F. nucleatum, P. intermedia
CaperoninasAtivação de leucócitos e reabsorção óssea
A. actinomycetemcomitans
Leucotoxina1) citotóxica para neutrófilos, monócitos e linfócitos;
2) atividade hemolítica e de citolisina
A. actinomycetemcomitans
Epiteliotoxina
Imunossupressão localizada
P. gingivalis 
Toxinas citoletais
 A. actinomycetemcomitans 
Compostos tóxicos e não peptídica: amônia, butirato, H2S, indol
Imunossupressão; Redução da síntese de DNA; Inibição da proliferação celular e reparo tecidual; Atividade citotóxica direta.Porphyromonas, Prevotella, Fusobacterium, Selenomonas
Bacterias Gram-negativas, especialmente F. nucleatum
Endotoxina 
1) liberação de mediadores inflamatórios; 2) reabsorção  óssea; 3) dor, febre; 4) choque tóxico; 5) coagulação  sanguínea intravascular; 6) ativação policlonal de linfócitos 
A. actinomycetemcomitans, P. gingivalis
Vesículas com atividade citotóxica 
Atividade citotóxica direta, Adesividade
A. actinomycetemcomitans
Proteínas imunossupressoras
Redução da síntese de DNA e RNA em linfócitos T; Ativação de linfócitos supressores
P. gingivalis
Cápsula extracelular Aumento de adesão microbiana; Evasão de fagocitose e retardo no reconhecimento pelo sistema imune.
A. actinomycetemcomitans
Material amorfo extracelular Adesão a células epiteliais; Inibição da proliferação fibroblástica.
A. actinomycetemcomitans
Inibe proliferação fibroblásticaRetardo no reparo tecidualA. actinomycetemcomitans
Inibe neoformação ósseaRetardo no reparo tecidual
A. actinomycetemcomitans
Resistência aos antimicrobianos Sobrevivência na infecção e perpetuação do microrganismo
P. intermedia, P. nigrescens, F. nucleatum, A. actinomycetemcomitans, T. forsythia
Receptores para Fc de IgG
Impedem fagocitose e reconhecimento imune

A. actinomycetemcomitans
Peptídeos inibidores de neutrófilos
Inibe a quimiotaxia e fagocitose em neutrófilos, Inibe a síntese de radicais oxidantes pelos leucócitos, Inibe a fusão de lisossomos contendo enzimas digestivas e radicais como o anion superóxido.
A. actinomycetemcomitans

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